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A experiência do Nós da Maré

Por: Alexandre Silva (alexandre@observatoriodefavelas.org.br)
Fotos: Nyl de Souza (nyl@observatoriodefavelas.org.br)

No último sábado, dia 5, o Observatório de Favelas realizou, no âmbito do Galpão Bela Maré, a quarta edição do projeto Nós da Maré. Depois de passar por três favelas (Nova Holanda, Vila do Pinheiro e Parque União), o Nós voltou para o espaço do Bela (onde foi realizada a primeira edição, em abril de 2016), com uma nova proposta de formato, um dia inteiro de atividades culturais. Desta vez batizado com o subtítulo de Viradão, o projeto manteve sua característica principal: propiciar encontros a partir de intervenções culturais no território.

Para entender melhor o Nós da Maré é importante situá-lo nas discussões promovidas pelo Observatório de Favelas – especialmente na experiência de gestão do Galão Bela Maré – sobre o papel das ações culturais nos debates políticos da cidade e do mundo.

O Galpão Bela Maré foi criado em 2011, no contexto da primeira edição do projeto Travessias – Arte Contemporânea na Maré, colocando a Maré na centralidade de uma disputa para a construção de conceitos, metodologias e práticas da arte como bem público e como mediação para efetivação de direitos plenos da cidadania, sobretudo dos moradores de favelas.

Todos nós sabemos o quanto a arte tem sido, historicamente, inserida num processo excludente das camadas mais populares, tanto em sua fruição quanto no fomento à sua produção e reflexões. Sendo a arte esta poderosa ferramenta na construção da subjetividade dos sujeitos, este embate se coloca como urgente: democratizar o acesso à produção artística e ampliar as reflexões a partir deste contato.

Durante quatro anos o Bela esteve vinculado estritamente ao Travessias e só ficava aberto ao público durante essa programação específica. Toda vez que se encerrava o período de exposição, por falta de recursos que garantisse um funcionamento continuado, o Galpão fechava as portas e só era reaberto para ações pontuais ou eventos institucionais.

Em 2014, um projeto de intervenções artísticas do Bela foi contemplado no edital de Pontos de Cultura da cidade do Rio de Janeiro. A partir desse momento, mesmo com um recurso restrito, destinado apenas para a realização das ações (sem que cobrisse os custos da equipe e de manutenção do espaço), tomamos como missão manter o espaço aberto, com uma programação regular, viabilizada a partir de financiamentos pontuais e parcerias (vislumbrando um apoio estrutural para que o galpão possa promover e consolidar seus projetos). Estas parcerias não são apenas institucionais, mas também com sujeitos do próprio território.

Nascia, junto com o projeto do Galpão Bela Maré, o desafio da construção de um espaço aberto, destinado não apenas à difusão das artes, mas – sobretudo – ao entendimento das expressões artísticas como potência para reinvenções do fazer e pensar dos sujeitos, e, portanto, da cidade, na perspectiva do território que está localizado.

O acúmulo de experiências promovidas pelo Bela Maré, desde as programações de maior destaque na cidade, como o caso do Travessias, que chegou a sua quinta edição este ano, até as ações mais locais, como a nossa experiência com as intervenções culturais no âmbito do Ponto de Cultura, evidenciou a necessidade do fortalecimento de uma rede de agentes culturais do território e o encontro das experiências dessa rede, para que, de fato, o Galpão se colocasse para a comunidade como um espaço aberto e em construção. Nessa perspectiva, foi criado o Nós da Maré.

Como estratégia para a aproximação dos agentes culturais da Maré e a apropriação deles a este espaço institucionalizado, desenvolvemos a metodologia que vem sendo aplicada – e aprimorada – não apenas nas ocasiões do Nós da Maré mas também em outras ações do Bela: os eventos, culminância destes processos de articulação destas redes culturais, são sempre pensados em parceria com coletivos, grupos, artistas e/ou produtores locais.

As três primeiras edições foram realizadas através da co-curadoria de artistas que intervém no território: as bandas Los Chivitos e Canto Cego, e as meninas do projeto Tammy na Laje foram convidadas para colaborar na elaboração do formato e conteúdo das intervenções. Somadas a estas parcerias, as edições do Nós vêm agregando programações de outros projetos realizados na Maré, potencializando mutuamente as ações. A ECOM (Escola de Cinema Olhares da Maré), e o projeto Skate Maré são exemplos de conexões estabelecidas pelo Nós da Maré. Estas ligações ampliaram não apenas a abrangência geográfica das ações do Bela no território mas também os pontos que conectam esta rede.

A quarta edição do Nós avançou na perspectiva de entendimento do Bela Maré como uma referência na articulação destes atores da Maré. Novas conexões foram estabelecidas, como com o coletivo de arte urbana Kovok, que tem sua base em Ramos, bairro vizinho à Maré, ou com a ocupação do coletivo Anarka filmes na sala CineBela, a partir da curadoria de Lorran Dias, cineasta morador da Maré. Com uma programação mais extensa do que as edições anteriores, o Nós da Maré – Viradão abriu espaço para ações formativas, com quatro oficinas temáticas: Mão na Lata, com fotografia artesanal; Maré sem Fronteiras, com montagem de bicicletas; Cirko Akatra, com práticas circenses; e Rodrigo Maré com percussão.

Ainda entendendo o espaço e os recursos do Nós da Maré como potencializadores de outros encontros possíveis, houve interlocução também com outras propostas de eventos. Assim, também foi integrada ao NÓS a aula magna do Curso Internacional de Especialização em Inventividade Socioculturais das Periferias, do Instituto Maria e João Aleixo, que trouxe para o entardecer no Bela a professora Macaé Evaristo falando sobre a produção de conhecimento nas periferias, e, ainda, a ocupação do grupo Cia Marginal no CAM (Centro de Artes da Maré) com a apresentação de dois espetáculos teatrais. O encerramento foi uma grande festa, literalmente, realizada e produzida pela Ocupação Marginal e pelo Nós da Maré – Viradão.

Como nas edições anteriores, todas as programações foram abertas ao público, e o evento mobilizou o comércio local, tanto dos estabelecimentos vizinhos quanto de ambulantes.

A adesão expressiva em todas as ações propostas pelo evento e a mobilização dos grupos, artistas e produtores locais indicam que há sim um caminho sendo traçado pelo Bela na perspectiva de um entendimento mais coletivo sobre o papel deste espaço cultural e de suas intervenções no território.

O Nós é, portanto, uma experiência em progresso que condensa e incorpora vários debates sobre cultura, território e institucionalidades que o Observatório de Favelas vem pautando na cena pública. Em progresso, pois não se coloca como resultado de um processo, mas como uma busca por metodologias que possam fortalecer a rede local de produtores culturais e artistas, a partir de um diálogo mais profundo do espaço com esses fazedores, ao mesmo tempo em que coloca a Maré num circuito global de produção, consumo, compartilhamento e reflexão sobre as artes. Este desafio ainda está colocado e continua sendo um norte do projeto geral do Bela Maré.

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