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Amar e mudar as coisas nos interessam mais

Por Isabela Souza (isabela@observatoriodefavelas.org.br)

“A materialidade do mundo e a complexidade do real não são dóceis e requerem enfrentamento, atenção, impetuosidade e escuta”. Camilo Osório, janeiro/2019.
2019.
No presente, a mente, o corpo é diferente. (Belchior, 1976)
Uma mudança aconteceu.
Estamos (mais) ameaçadas.
Corpos, modos de amar, estéticas, construções sociais e políticas.
Ameaçadas.
Mas estamos altivas!
Somos muitas e as lutas estão em curso.
Não será fácil para nós (e quando foi?);
Mas também não será fácil para quem acredita que pode silenciar o que vem sendo construído, com muito amor e coragem.
Há perigo nas ruas
Há poesias nas ruas
O sinal pode parecer amarelo para nós
Mas temos ido em frente.
As mesmas não somos e junto com nossos pais e mães (e irmãos e coletivos e bondes) não estamos mais dispostas a viver como antes
Nossas utopias não podem ser censuradas.
E continuamos tentando cuidar umas das outras!

Primeiros meses de 2019, muitas mudanças políticas, e um conjunto consistente de corpos e produções artísticas e culturais negando a ocultação e a invisibilidade de pessoas, corpos, identidades e espaços para os quais a cidade hegemônica reserva as margens.

Corpos, estéticas e sexualidades periféricas continuam estampando críticas, resistências e lutas contundentes frente a tudo que ameaça. O que temos visto, como bem narrou Flávia Oliveira¹, nossa musa e também conselheira, em uma das suas bem-vindas colunas do mês passado, é o afeto e a arte fazendo frente aos retrocessos, como sempre. Aqui nas nossas propostas no eixo Arte e Território para os primeiros meses do ano, e em muitas outras ações que se mantém na metrópole fluminense e em todo o Brasil, permanecemos enfrentando as concepções hegemônicas de cidade, de corpos e de artes reinventando a nós mesmas e a tudo que nos diz respeito. Há um conjunto enorme de pessoas que permanecem desafiadas nas batalhas para se manterem protagonistas de suas próprias vidas, afetos e culturas mesmo com todas as violências e ameaças de todos os dias.

O tempo de agora é o da materialização de retrocessos anunciados e eleitos por muitas/os, mas é também o nosso tempo. O tempo das mulheres (mulheres cis e trans, mulheres por motivos e escolhas diversas que não o exaustivo binarismo, que sempre nos reserva ser mulher por não ser homem), das pessoas negras, dos artistas e das artistas das muitas periferias (espaciais e simbólicas) que reivindicam e concretizam suas centralidades e que continuam matando um leão por dia para não serem homogeneizadas e silenciadas por dinâmicas violentas, afirmando múltiplos modos de amar e conviver porque para nós parece não haver outra forma possível de permanecermos vivas.

Desafiar a real e opressora realidade eleita é o desafio que se impõe à arte que pulsa em ser corpo e artista dissonante: “O termo ‘luta’ nos diz de um bom afeto, de algo que nos anima, inspira e instiga. Luta é a ação do desejo que nos politiza. Luta é o nome próprio da ação política, ela mesma uma ação poética, no sentido de criação de uma obra. Ao mesmo tempo, o termo luta está no mundo da vida. (Marcia Tiburi em “Feminismos em Comum”, 2018)

São artistas e corpos que não foram homogeneizados pelas dinâmicas violentas, permanecem desaprendizes de formas e se consagrando verdadeiras/os experimentadoras/es de si próprias/os e das linguagens artísticas de maneira geral e seguirão desafiando o óbvio e assustador momento atual. São corpos e artes que estão sempre fazendo perguntas, problematizando, inquirindo a si próprias/os e ao mundo, que seguirão em constante desvio², mesmo em tempos de tantas crises e catástrofes. Assim, os caminhos das artes e dos múltiplos corpos revelam saídas, traindo modelos e operando entre conflitos. Artes e corpos querendo ser outras coisas, além de corpo e arte. São experimentações artísticas que, conforme disse Camilo, que também é um de nossos conselheiros, sobre uma pintura, nos ensinam a ver o mundo, a parar para ver as coisas. São experimentações artísticas, educação e também política que nos fazem amar e mudar as coisas.

Nota:

Fui buscar inspiração em muitos textos e músicas a partir do desafio de contribuir com um artigo no contexto arte-corpos-cidade do lançamento do nosso primeiro boletim do ano, que retoma os lançamentos mensais das contribuições sistemáticas do Observatório de Favelas com os debates e reflexões sociais a partir do lugar que operamos, as favelas e periferias. Foi um desafio pessoal enorme, assim como tem sido o exercício de, mesmo tão jovem, ser parte da diretoria desta organização que esse ano comemorará 18 anos de trabalhos públicos pelo fortalecimento da democracia e pela redução das desigualdades. Só foi possível pelos caminhos da arte, ouvindo música e pensando ativamente nos dois panos de fundo das matérias do boletim deste mês, o Galpão Bela Maré e a Arena Dicró, dois palcos que concretizam diariamente utopias pelas quais eu durmo e acordo, e da coletividade – lendo inspirações e roubando delas algumas ideias, olhares, com a intenção de construir a partir do que temos produzido coletivamente, mesmo que aqui a autoria seja solitária.
Gostaria de citar aqui, os conselheiros que não foram mencionados no texto, mas fazem parte de nossa inspiração diária: Eliane Costa, Henrique Silveira e Jailson Silva.

Assino como Isabela, mas reconheço que agenciei aqui a escrita e a prática de muita gente que admiro e de muitas pessoas com as quais divido o cotidiano de trabalho.

¹ O título da coluna da Flávia é “Poesia uma hora dessas”. Para lerem a coluna, sugiro a ida na postagem da página do Galpão Bela Maré porque aí vocês aproveitam para curtir a página e passam a acompanhar tudo que a gente tem inventado por lá: https://oglobo.globo.com/opiniao/poesia-uma-hora-dessas-23380423?fbclid=IwAR2tQ4Lil2oioXnYEyuqumC-PUE7Cbr-zD5vswORNry3WgYZLhSyRA73y-k
² Nestes termos roubei muitas ideais e expressões das colunas “Arte, Não-Arte e a partir da Arte” e “Artista e Universidade – anotações a partir da Escola das Artes do Porto” do Camilo. Para lerem na íntegra: http://www.premiopipa.com/2019/01/arte-nao-arte-e-a-partir-da-arte-texto-critico-de-luis-camillo-osorio/ e http://www.premiopipa.com/2018/05/artista-e-universidade-leia-o-texto-critico-de-luiz-camillo-osorio/

#Amarésimples

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