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DUAS MULHERES, DE S A Z, POTÊNCIAS REVOLUCIONÁRIAS DO ALÉM TEMPO

Por Eduardo Alves (edu@observatoriodefavelas.org.br)

Rio de Janeiro – Tereza de Benguela e Rosa Luxemburgo, Tereza que pode ser com s, Rosa que pode ser com z. Duas mulheres diferentes na cor, da preta à branca, com multiplicidades de etnias e culturas; mulheres de tempos distintos, com localizações diferenciadas; expressão de projetos que aparentemente são múltiplos, mas que se encontram e se abraçam na ampliação da vida e nas construções de direitos.

Tereza chega ao Brasil no século XVIII, direto de Benguela, cidade tomada pela coroa portuguesa e na beira do Mar em Angola. Rosa Luxemburgo, chega na Alemanha no final do século XIX, em Berlin, e ainda que polonesa, já parte de Zurique, na Suíça. As duas realizam no lugar de chegada, toda a potência que já trazem em seus corpos, misturando África com Europa na igualdade da grande esteira pela libertação. A pobreza marcou as duas, assim como tentativas de interdições do Estado, que ambas superaram com inteligência, resiliência e inventividade.

Uma cria e conquista o lugar de Rainha Quariterê, a pedagoga do Quilombo, a construtora de ações solidárias, coletivas, comunitárias no mais profundo sentido de ser; outra se torna a formuladora, jornalista, ativista, sem comparações para uma mulher do seu tempo, a grande estandarte da Bandeira Vermelha. Nas realizações de maior impacto para o aprendizado por grandes transformações, superando o ambiente da dominação, da opressão e do lucro, seguem com as duas todas as criações inventivas que carimbaram a história e tatuaram as possibilidades de revoluções pelas grandes mudanças criadas nesse imenso espiral ativo e criativo das várias dimensões humana e para destruição do poder opressor dominante. De S a Z, de Z a S, percorre-se todos os alfabetos existentes de ensinamentos, estéticas, práticas, posturas humanas, compromissos, resiliência, potência e conteúdos múltiplos marcantes na história.

As duas foram assassinadas pela ação mais cruel do poder existente, que é a violência letal, brutal e cínica. Essas vidas foram arrancadas dos seus territórios, mas não do tempo. Com Tereza, cabeça cortada, colocada em tronco, demonstrando por meio da mais cruel criação do medo o que se paga por tanta dedicação por um mundo mais justo. Com Rosa, corpo jogado ao rio, para que todos e todas vissem, ainda que em um assassinato escondido, com o objetivo de sufocar o sopro de revolução que ganhava eco na Alemanha. Perseguições, impedimentos, prisões, foram o que as duas viveram em seus tempos, lugares e momentos. Mas também viveram criações na arte que movimenta o mundo em defesa da vida com dignidade plena. Mar e rios estão presentes, com suas grandes águas e correntes, nas vidas dessas imensas e simbólicas mulheres.

Não há versões, não se pode aceitar narrativas de que tenham se matado ou com crimes realizados que não fossem pelo poder, em forma de coroa ou governo. Essas ideologias, que rogam para assassinar o lastro da cultura revolucionária, não possuem quaisquer possibilidades de fazer soar nos ouvidos de outras mulheres e de homens que mantém viva a dedicação pela superação das coisas e da ordem imposta, para conquistar a vida sempre acima do lucro.

Tereza foi a energia da invenção coletiva de uma assembleia de iguais. Uma organização com corpos discriminados e radicalmente explorados em todas as dimensões. Inspirou trabalhos diferentes, com produções que voltavam para o coletivo, uma comuna local, que a mercadoria sem fetiche produzia investimentos para todas e todos por meio da troca, com tecidos, panelas, roupas e artesanatos. Para além disso, foi condutora da mais profunda empatia para o reconhecimento coletivo do lugar conquistado de rainha e celebração das garantias de subsistência com plantio, colheita, pescas, tudo para manter aqueles corpos, que impactavam por mais direitos, fortes e vivos. Foi a mulher fundamental para fazer valer o Quilombo do Quariterê, forma coletiva do viver para todas e todos.

Rosa, por sua vez, foi ponta de lança de uma grande liga – A Liga de Spartakus – um fio potente que cerziu com muitos corpos as bases para grandes comunicações revolucionárias e para a organização de ações e estéticas revolucionárias. Do jornal contemporâneo, de sua época – Bandeira Vermelha – até a direção, em ambientes tomados por homens, brancos, fez erguer a figura da mulher, que veio de fora do principal cenário das ações por superação do imperialismo existente. Foi dirigente, formuladora, escritora, comunicadora, direção de grandes ações de massas que movimentaram, para além dos espaços que seu corpo agrupava e não tremeu. Ergueu-se ao ponto de defender, em nível internacional, todo povo que vive do seu próprio trabalho, contra guerra que o parlamento e a então bancada considerada de esquerda, até então na Alemanha subscreveu.

Com a afetividade sempre presente, talharam seus próprios caminhos. Uma que chega como escrava outra que chega como estranha, mas seja como chegaram, assim não se fizeram, formaram-se na mais profunda liberdade humana, viveram, com intensidade, a escolha de serem mulheres livres. Destacaram-se em espaços de homens, seja qual fosse o poder dos homens por meio de como ele se colocava, inclusive nas formas organizativas do seu tempo e isso inclui os partidos autodeclarados de esquerda. Não deixaram de ousar com suas convicções para todos os lados: todas as diferenças foram enfrentadas, todos os conflitos vividos e todas as disputas para superar as desigualdades arguidas em palavras, construídas em ações, desenhadas em formas, bordadas em estéticas e carimbadas em representações.

Marca-se então em simbolismos fundamentais para o nosso tempo, grandes giras de energia, ensinamentos, inspirações para ampliar ainda mais a potência da periferia. Os corpos das centralidades das grandes transformações, que possuem o desafio de lapidar o seu lugar, conquistar a liberdade, uma cidade de direitos em qualquer corte territorial, podem crescer com essas duas inspirações que se enlaçam no tempo e chegam para ampliar no presente.

Tereza não poderia conhecer Rosa, que ainda não existia neste mundo. Rosa, por sua vez, não poderia conhecer Tereza, que com a já passagem marcante nessa dimensão, não dispunha (talvez nem havia tido acesso a conhecer e ver) da tecnologia do primeiro upload gráfico criado no século XV. Mas nós, do século XXI, podemos conhecer essas duas mulheres revolucionárias com os novos uploads digitais do século atual e as fazer seguir a existir. Tereza e Rosa, ensinamentos para conquistas progressivas e contínuas no tempo, sem pausas para transformações pela vida, que se marcam, como tatuagens nos cérebros e na alma, presentes entre nós.

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