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Em iniciativa histórica, polícia presta esclarecimentos à população da Maré

Por: Piê Garcia (pie@observatoriodefavelas.org.br)
Fotos: Davi Marcos / Observatório de Favelas

A audiência pública realizada no Centro de Artes da Maré (CAM) reuniu policiais da Divisão de Homicídios da Capital (DH) da Polícia Civil, moradores da Maré, líderes das associações de moradores e representantes de organizações da sociedade civil. O encontro teve como objetivo apresentar os encaminhamentos das investigações da morte de 10 pessoas, sendo um militar, que aconteceram entre os dias 24 e 25 de junho de 2013, na Maré.

Em uma iniciativa histórica, o Titular da DH, Rivaldo Barbosa, e sua equipe formada por um perito criminal, um médico legista, um psicólogo, um inspetor e um delegado assistente estiveram no CAM para “prestar contas”, como ele mesmo disse, sobre o ocorrido após a operação do Batalhão de Operações Especiais (Bope) naquela noite.

Segundo Rivaldo Barbosa, a reconstituição das mortes foi a maior já realizada na cidade, levando um total de 17 horas. Para cada vítima foi aberto um inquérito diferente. O contexto vivido na cidade, naquela época, também é importante para compreender o caso. O período foi marcado pelas manifestações e a Copa das Confederações.

No dia 24 de junho houve uma manifestação que começou na Praça das Nações, em Bonsucesso e seguiu para a Avenida Brasil, na altura da Maré. Segundos os policiais, houve disparos em direção à pista e pequenos furtos na região. Em seguida, uma equipe entrou na favela e o sargento Ednelson dos Santos foi atingido por tiros de fuzil que o levaram a óbito. Na sequência, o BOPE iniciou uma operação que culminou em outras nove mortes.

Para Barbosa, essa iniciativa é importante para construir um novo relacionamento dos moradores com a polícia, que é marcado pela falta de proximidade “sem aproximação, sem informação”, o que é essencial para a elucidação dos casos. Nessa perspectiva, foi necessário separar cada caso e dar tratamentos distintos para cada inquérito. O que ele chamou de “humanizar a investigação”.

Ainda segundo o delegado, esse tipo de audiência deveria se tornar padrão. Ele reforçou que essa prestação de contas é dever da corporação. “Nós somos servidores públicos. Nós estamos prestando conta aos senhores que nos pagam.” Durante o início do evento, a diretora da Redes da Maré, Eliana Souza Silva lembrou que esse diálogo já vem sendo construído há muito tempo, principalmente com a iniciativa do “Maré que Queremos”.

Durante a apresentação, os policiais apresentaram um vídeo que mostra a movimentação das ruas e a presença de alguns grupos armados. Para o delegado, algumas das vítimas “poderiam ter sido mortas” porque estavam em confronto direto com a polícia. Ele ainda afirmou que houve uso de inteligência aérea na operação.

Até o momento, seis mortes foram esclarecidas. A primeira delas, é a do Sargento do BOPE, Ednelson dos Santos, de 42 anos, que foi ferido na cabeça e na perna, com tiros de fuzil vindos de uma laje. As demais foram: Fabrício Gomes Souza, 28 anos, André Gomes de Souza Junior, 18 anos e Carlos Eduardo Silva Pinto, 23 anos, Renato Alexandre Mello da Silva, de 39 anos e Jonatha Farias da Silva, 16 anos. Todos vítimas de intervenção policial, seguida de morte. O que na prática configura auto de resistência. Rivaldo observou que a maioria dos envolvidos não era morador da Maré, mas de Manguinhos, Magé e outras regiões.

Uma das 4 mortes ainda sem solução, é a do garçom Eraldo Santos da Silva, de 35 anos. Para Rivaldo, é provável que ele tenha sido atingido por um policial. Porém, para finalizar essa investigação, é necessário mais depoimentos de testemunhas. Para isso ele pediu que os moradores percam o medo e procurem a delegacia, as ONGs ou o disque denúncia para contribuir com o esclarecimento do crime.

Durante o encontro, alguns outros eventos foram relembrados, como o caso do Amarildo, citado como referência de caso investigado pela mesma equipe e que resultou na prisão de 10 policiais envolvidos no assassinato e desaparecimento do ajudante de pedreiro. Também foi cobrada a investigação do assassinato do presidente da associação de moradores do Morro do Timbau, Osmar Paiva Camelo, de 53 anos.

Depois da apresentação da equipe da DH, foi a vez do público se manifestar. Davi Marcos, fotógrafo e morador da Maré, questionou o fato das gravações feitas pelo helicóptero só mostrarem o grupo armado e não mostrarem a ação da polícia. Alberto Aleixo, da Redes de Desenvoilvimento da Maré, perguntou: “Quantas pessoas foram presas naquela noite?” e afirmou, por ter presenciado as cenas dos crimes, que os cenários estavam muito alterados, o que dificulta muito a perícia.

Maria Assunção, cunhada de Eraldo, disse que colocaram o garçom no caveirão sem deixar ninguém se aproximar. Ela lamenta que a morte de Eraldo tenha destruído toda a família.

Já Raquel Willadino, do Observatório de Favelas, reiterou que “é necessário superar esse paradigma de que existem pessoas que merecem morrer.” E que isso é um efeito perverso dos autos de resistência, que tem que ser extinto. Quanto mais confrontos houverem, mais haverá mortes de todos os lados e nenhuma morte é aceitável.
Eliana Sousa e Silva defende que “é necessário colaboração para ajudar na resolução dos casos e também é fundamental avançar nos inquéritos que tem a ver com as violações ocorridas naquela madrugada”, já que a maioria delas resultam do tipo de abordagem feita pelos policiais na ocasião.

Julita Lemgruber, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) da Universidade Cândido Mendes, avaliou como positiva e histórica a presença dos policiais na favela para prestar esclarecimento à população e finalizou a audiência lembrando que “a polícia foi feita para prender e não para matar. Hoje, o Rio de Janeiro tem a polícia que mais mata e que mais morre no país”, concluiu.

Vale lembrar que embora essa prestação de contas seja um fato incomum, configura um avanço na política de segurança pública do estado. Isto foi possível graças à mobilização de diversas instâncias da sociedade civil, principalmente a pressão popular. Atualmente, a questão dos homicídios decorrentes de intervenção policial ainda representa um entrave nas investigações e não garantem um esclarecimento satisfatório. Para mudar essa realidade está tramitando no  Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (4471/12) que cria regras rigorosas para a apuração de mortes e lesões corporais decorrentes da ação de agentes do Estado.

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