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Na pele de Diva Guimarães

Por Priscila Rodrigues (priscila@observatoriodefavelas.org.br)

Rio de Janeiro – Na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) 2016, já em meio a discussões sobre a ausência de escritoras negras no evento, a poeta Mel Duarte subiu ao palco do auditório da Praça* e, no sarau de abertura, declamou sobre machismo e racismo. Mel foi destaque da Festa e o vídeo com sua apresentação, no canal oficial no youtube, tem atualmente mais de 42 mil visualizações. Um ano depois, na mesma Praça, só que agora da plateia, uma mulher negra voltou a roubar a cena da Festa. Diva Guimarães, durante a mesa “Na pele que habito”, na manhã do terceiro dia de Flip, pegou o microfone e emocionou a todos.

Na mesa em que o ator e escritor Lázaro Ramos e a jornalista portuguesa Joana Gorjão Henriques, com mediação do também jornalista Robinson Borges, falaram sobre os ecos do processo de colonização do Brasil, Diva falou sobre si. Um ato de coragem que levou o público – incluindo Lázaro Ramos – às lágrimas. “Eu sou uma sobrevivente pela educação”, afirmou. Sua voz soou como um grito. Mais tarde, ela confessou que estava decidida a contar sua história a qualquer custo. “Eu era capaz de largar a bengala e pular no palco”, disse em tom de gracejo no alto dos seus 77 anos.

Apesar do bom humor, a história de Diva não é nem de longe engraçada. Aos 5 anos já descobriu o que era racismo. Na Creche Baronesa de Limeira – para a qual foi levada sob o pretexto de estudar, mas na verdade era para trabalhar – as freiras contavam uma história em que as pessoas se banhavam em um lago encantado. Os mais inteligentes e esforçados se banharam por completo. Já os preguiçosos só lavaram as mãos e os pés e por isso, as pessoas negras, tinham apenas essas partes brancas. “É uma mentira. Não somos preguiçosos. Nossos antepassados (negros) construíram esse país”, afirma indignada. Apesar das constantes surras apenas nas crianças negras e do “café com leite e pão mofado”, ela não guarda rancor “Ao menos aprendi a ler”, conta.

Filha de lavadeira, eram as mãos calejadas de sua mãe o principal impulsionador para que não desistisse. “Eu não queria estar na escola, mas minha mãe me mostrava as suas mãos e perguntava se eu queria o mesmo destino”. E foi fugindo deste lugar que a sociedade queria impôr a uma menina negra e pobre, nascida no interior do Paraná – em uma pequena cidade chamada Serra Morena – que Diva, primeira de sua família a estudar, cursou Educação Física na Universidade Federal de Curitiba e virou professora.

Não à toa, a educação ocupa posição de destaque em sua vida. Hoje, apesar de não ter filhos, ela incentiva os sobrinhos a estudarem. “Na minha casa eles só tem duas opções: 1 estudar, 2 estudar”, afirma a professora que há muito nutria a vontade de ir à Flip. “Esse ano disse: já estou no bico do urubu. Eu vou para a Flip. Me mobilizei e estou aqui”. Os mais de 160 mil que assistiram o vídeo da sua fala, além das pessoas que estavam presentes no auditório montado na Praça da Matriz agradecem a sua determinação.

*Espaço mais democrático da Flip em que as pessoas podem assistir gratuitamente à programação principal em telões e também acontecem debates e apresentações paralelas

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