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Novas protagonistas¹ para a cena política do Rio de Janeiro ou “Adeus, foi lindo, Observatório de Favelas”

Por Jailson de Souza e Silva²

Rio de Janeiro – Sou da geração que viveu os “vinte” em pleno processo de redemocratização. Assistimos à criação do MST, o auge do movimento comunitário, a recriação da UNE, a criação do Sindicalismo Combativo e da CUT, a criação do PT, PDT e a legalização do PCB e PCdoB, além da ampliação das lutas dos movimentos negros, feministas, LGBTs, direitos da crianças e adolescentes, deficientes etc. No âmbito político, a geração que chegou ao núcleo do poder foi a anterior à nossa, aquela que tinha lutado mais diretamente contra a ditadura – Lula, Zé Dirceu, Dilma, Brizola, Miguel Arraes e muitos outros e outras.

Na década de 90, muitos de nós nos afastamos da militância partidária ou sindical e fomos criar organizações da sociedade civil de um novo perfil: organizações formadas por quadros oriundos das periferias e favelas, em geral a primeira geração de suas famílias a chegarem à universidade, à cena cultural ou à gestão pública. Militantes de um novo tipo, com novas práticas, valores, discursos e objetivos.

Nesse quadro, nasceram várias instituições de relevância e com distintos projetos e referências políticas, tais como o primeiro CEASM – que gerou o Observatório de Favelas e a Redes de Desenvolvimento da Maré – CUFA, Afro Reggae, Nós do Morro e outras. A partir dessas organizações que revolucionaram a periferia carioca a partir da década de 90, muitas outras surgiram nos anos 2.000, gerando novos personagens na cena política, social e cultural do Rio de Janeiro.

O principal resultado dessa invenção daqueles sujeitos das periferias foi uma nova geração de jovens pessoas com um amplo repertório teórico, estético, performático e político. Essas milhares de jovens ampliaram a presença das periferias nas cidades e a colocaram, em particular no campo cultural, como o novo espaço de centralidade. Ao mesmo tempo, a política de extermínio dessa juventude negra pelas forças de segurança do Estado – seja de forma direta, através do assassinato, seja através dos cárceres ou através da criminalização das drogas e opção por perseguir a sua venda no varejo nas favelas – foi ampliada, fazendo com que se aprofundasse a luta pela democracia real e pelo direito das moradoras das favelas à segurança pública, dentre muitos outros.

Essa conjuntura que hoje vivemos exige, portanto, a revitalização de nossas agendas, de nossos métodos, de nossas caras e vozes. Essa é a razão para que tenhamos promovido uma radical mudança na diretoria do Observatório de Favelas. Eu e Jorge Barbosa fundamos a instituição em 2001, a partir da preocupação em ampliar a produção conceitual e metodológica sobre as favelas e periferias, além de buscar incidir em políticas públicas que garantissem o direito à cidade de forma plena para suas residentes.

Graça à ação de centenas e centenas de colaboradoras durante todos esses anos, a organização se tornou uma referência no Rio de Janeiro e no Brasil em termos de excelência na realização de projetos, na produção conceitual e na capacidade de formar novos sujeitos paras as cenas do mundo social. Estamos muito felizes com isso.

Temos hoje uma organização com 40% abaixo de 30 anos, 75% abaixo de 35. A grande maioria preta, mulheres, oriundos de favelas e periferias, com uma forte e valorizada presença LGBT. Logo, uma organização com essa presença, perfil e potência não pode mais ser dirigida com o mesmo perfil de dirigentes. Diante disso, após um processo de um ano de transição, Eu e Edu saímos da diretoria do OF. Jorge Barbosa ficará mais um tempo, cumprindo o calendário da transição. Aruan, por sua vez, um jovem de 28 anos, ingressa na diretoria, tendo ao lado Isabela, da mesma idade, Raquel, nos seus 40 e pouquinho, e Nalva, a sênior do grupo. São mulheres e homens comprometidos em manter o legado do OF e tornar ainda mais presentes nossas pautas de gênero e raciais.

Não é simples sair de uma organização como essa, ao qual dediquei, de forma intensa, meus últimos 17 anos. Um filho. A quem está na hora de abraçar e deixar seguir na vida. E o faço com imensa alegria, certo de que as pessoas veem sentido nela, querem que ela continue tendo relevância na realidade brasileira e capacidade de produzir mais algumas centenas e centenas de pessoas armados com toda a potência que emana das práticas cotidianas das favelas e periferias. De minha parte, só posso celebrar, então, essa caminhada, investir na construção do Instituto Maria e João Aleixo, com sua pretensão de ser uma organização relevante nas periferias do mundo contemporâneo, e declarar que termino essa etapa de minha vida com o sentimento de que avançamos muito na luta contra o racismo, o sexismo e o patrimonialismo institucional que sustentam a desigualdade nesse país. E que continuaremos buscando caminhos de contribuir para que tenhamos uma efetiva e humana democracia.

Adeus, OF, que seu caminho continue pleno.

¹Como já tenho assinalado, o uso do feminino nas palavras plurais tem como premissa a palavra “pessoa”. A prática visa superar o sexismo que domina tantos campos, dentre os quais a língua portuguesa.
²Diretor Geral do Instituto Maria e João Aleixo e Fundador do Observatório de Favelas

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