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A Festa que Paraty não viu

Por Priscila Rodrigues (priscila@observatoriodefavelas.org.br)

Rio de Janeiro – O ponto de referência não fazia muito sentido. A casa da porta amarela, era o que indicava o evento no facebook. Em meio a centenas de portas azuis e amarelas, que dão um toque identitário ao centro histórico de Paraty, como encontrar a certa? O endereço também não batia. O número 32 do Largo do Rosário geograficamente não existia. Nem mesmo as minas que ofereciam zines no caminho sabiam informar. “Na hora a gente acha”, afirmou uma delas.

A gente achou mesmo. Dezenas dessa gente, relatava o mesmo problema: a dificuldade em chegar. Mas chegou. Chegaram. Enfrentando as nada convidativas, para uma longa caminhada, pedras irregulares das ruas de Paraty. Encontraram a Casa da Porta Amarela que em sua programação prometia, no segundo dia (27) da Festa Literária de Paraty (Flip), a partir das 19h o encontro entre o Slam das Minas de São Paulo e o do Rio de Janeiro.

E por falar em Flip, o evento daquela quinta-feira fria estava de fora da Festa. Aliás, toda a programação da Casa da Porta Amarela, que era inteiramente dedicada aos escritores independentes, não recebeu nem mesmo uma menção nas 126 páginas da extensa programação da Flip. O espaço com luzes do tipo “pisca-pisca” na entrada era quase clandestino. Atrás da pequena porta amarela tinha um mundo.

Nos primeiros passos, uma casa. Com pequenos stands montados, havia exposto ali de livros a artigos feito à mão. Tudo era arte. Em seguida, o quintal. O espaço amplo e mal iluminado garantia o clima underground que a ocasião pedia. Era ali o encontro. Como o nome já sugere, apenas “minas” poderiam participar. Além dessa regra principal, havia mais quatro “permitidos apenas textos autorais de até 3 minutos; não é permitido usar figurino, nem objeto cênico; o júri é convocado na hora; as notas vão de 0 a 10”.

Aos poucos a casa foi ficando cheia e ruidosa, mas quando as “minas” começaram a falar o silêncio reinou. Mel Duarte, uma das organizadoras do Slam das Minas SP, explicou a motivação para criar aquele evento. “No ano passado, eu fui destaque na Flip. As pessoas ficaram abismadas. Eu fiquei feliz pela visibilidade, mas também triste por estar sozinha. Nós somos muitas e dessa vez estamos acompanhadas”, afirmou.

E realmente são muitas. Com representantes do Rio de Janeiro, São Paulo e até mesmo uma de Paraty, as mulheres mandaram o seu recado na rima. Temas como machismo, racismo, lesbofobia, religiosidade, entre tantos outros, foram abordados. A utilização da poesia como ferramenta política era o destaque da noite.

Viviane Laprovita, participante do Slam das Minas do Rio, foi a grande vencedora da edição. Em um dos seus poemas, ela narrou um episódio verídico da rotina de violência nas favelas cariocas. O assassinato de um menino, que carregava um saco de pipoca, pela polícia. “De um lado o menino preto. Do outro o Bope”, declamou.

Vivi, como é chamada, faz parte do coletivo “Poetas Favelados”. Formado por moradores de favelas e periferias do Rio, eles realizam “ataques poéticos” nos transportes públicos da capital carioca. “A gente entra de ‘bonde’ no coletivo e começa a recitar. Quem se anima e recita também ganha um livro” explicou Sabrina Martina que também é integrante do grupo. Ela ainda contou que fizeram uma vaquinha na internet para estar ali. A arrecadação garantiu a participação de cinco poetas no encontro.

“A minha felicidade é ter completado essa missão. É importante pra caramba estar aqui. Ocupar esse espaço enquanto periférico, favelado e negro”, afirmou Viviane que dedicou a vitória ao coletivo. Ela é quarta integrante do grupo a conquistar uma vaga para a final do Rio. “Tivemos cinco edições e todas as meninas que ganharam são pretas. Se o objetivo é dar voz ao oprimido, acho que o Slam das Minas Rio está cumprindo o seu papel”, analisou Leticia Brito, organizadora do Slam em terra carioca.

Igreja x Rua

Pam Araujo, organizadora do Slam das Minas SP, destacou a barreira que existe entre a “poesia da rua” e a “poesia da igreja”, em alusão ao local que acontecia as mesas de debate da programação principal da Flip 2017: a Igreja da Matriz. Apesar de estar entre um público interessado em Literatura, Pam encontrou uma grande dificuldade em vender seus zines pelas ruas de Paraty. O que contrastava com as filas constantes na Livraria da Travessa para adquirir os livros dos convidados da Festa.

Apesar da diferença observada, Pam destacou também o sucesso do evento. “Olha o tanto de gente que veio aqui hoje. Ficamos muito felizes com a repercussão. A gente só precisa de um espaço que o Slam acontece”, afirmou. A noite já avançava e a festa ali nem dava sinal de terminar.

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