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A Juventude merece mais

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Por: Alan Miranda (comunicacao@observatoriodefavelas.org.br)

Foto de capa: Elisângela Leite / Imagens do Povo

Aos 16 anos de idade, uma pessoa pode ter inúmeras ocupações, anseios, possibilidades e perspectivas de vida em nossa sociedade. Com 16 anos, geralmente as/os adolescentes estão cursando o ensino médio, às vezes fazendo um curso técnico concomitante, outros têm a oportunidade de cursar uma língua estrangeira, estudar música, teatro, circo, artes, praticar esportes, viajar para outros estados, países, tudo isso partindo de uma perspectiva otimista. Nesta idade surgem novas responsabilidades: o voto é facultativo e, com a permissão dos pais, pode ser emancipado. Mas ainda é uma fase de experimentação, de descobertas, de “primeiras vezes”.

Segundo a Constituição do país, crianças e adolescentes deveriam ter preferência na formulação e execução de políticas públicas. O documento ressalta também a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. No Brasil, nem todos gozam das mesmas oportunidades: muitos nessa faixa etária estão em situação de exploração sexual, gravidez precoce, dependência química, violência doméstica, evasão escolar.

Atualmente um dos temas mais discutidos na agenda política do país é a redução da maioridade penal. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/1993 encontra-se em análise pelo Congresso Nacional. Criada pelo hoje ex-deputado Benedito Domingos (PP), a proposta prevê que a maioridade penal seja reduzida para 16 anos. Depois de aprovada pela maioria dos deputados na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, a PEC agora é debatida em uma comissão especial da Casa, que tem cerca de três meses para analisar o projeto. Em seguida, será votado novamente e, se aprovada, seguirá para o Senado.

Partindo do princípio de que o debate está sendo travado no campo da segurança pública, a atual proposta sugere a responsabilização da juventude pelos altos índices de violência do país. É preciso apontar que não é a maioridade civil que está em pauta, mas a penal. Os que desejam a emenda na constituição argumentam que isso resultará na diminuição da criminalidade; que a lei não pune ou quando pune não é rigorosa o suficiente; se com 16 anos, o jovem possui maturidade intelectual suficiente para votar, logo, também pode ser responsabilizado criminalmente por delitos. Ou seja, com essa medida, o Estado passaria a reconhecer a maioridade de um indivíduo fundamentalmente para puni-lo.

Eduardo Alves, sociólogo e um dos diretores do Observatório de Favelas, critica o viés pelo qual o assunto é abordado, discutindo a maioridade pelo aspecto penal e não civil: “ Quando se formula políticas para a juventude é necessário pensar no presente e no futuro, pois, o jovem de hoje é o adulto de amanhã. Que tipo de adulto formaremos retirando dois anos da juventude? Retirar dois anos significa inclusive uma redução de investimentos em políticas para a juventude, ou seja, consideramos que já há investimento suficiente? Há violência de sobra em nossa sociedade e a responsabilidade disso é dos adultos e não da juventude. Cabe aos adultos elaborar políticas que diminuam a violência e potencializem a cultura de direitos na juventude. Se a responsabilidade, portanto, é dos adultos, por que diminuir dois anos da juventude? Por que ampliar o tempo de punição daqueles que não são os principais responsáveis?”, questionou Alves.

E A VIOLÊNCIA PRATICADA CONTRA A JUVENTUDE?

A maioria das justificativas e a proposta em si da PEC afirma em suas negativas que pretende combater a violência praticada por adolescentes, alargando a faixa etária passível de punição penal. Porém, raramente (ou nunca) aparece nas consideração de seus defensores os números alarmantes que retratam a violência sofrida pelos jovens, como mostra o Índice de Homicídios na Adolescência (IHA) – estudo recentemente divulgado pelo Observatório de Favelas, Unicef, Secretaria de Direitos Humanos e Laboratório de Análise da Violência da UERJ. De acordo com a pesquisa, mais de 42 mil adolescentes (12 a 18 anos) poderão ser vítimas de homicídio nos municípios com mais de 100 mil habitantes entre 2013 e 2019. Os jovens negros são as vítimas mais recorrentes. Ou seja, a principal vítima da violência, principalmente a violência letal é a juventude.

Para o delegado Orlando Zaconne, há uma inversão de pautas quando se discute segurança pública no Brasil. “Na verdade, o grande tema não é a violência praticada por adolescentes, mas a violência praticada contra adolescentes. O Brasil é um dos países com maiores índices de violência contra a criança e o adolescente, mas nada disso parece escandalizar a sociedade. E a pauta da redução da maioridade penal serve inclusive para omitir esse dado” – disse Zaconne em vídeo de policiais civis contra a redução. Além do IHA, existem outras pesquisas relacionadas ao tema, que demonstram a deficiência do Estado em cumprir as leis já existentes, mas pouco aplicadas, no que tange a garantia dos direitos do adolescente e na reintegração social daqueles que cumpriram pena. Vale lembrar que o Brasil já está comprometido com pelo menos três pactos internacionais: a Convenção da ONU (1948), que considera maioridade penal como 18 anos; a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica – 1969), que separa o tratamento dado à criança e ao adolescente do adulto; e a Convenção dos Direitos da Criança (1990), da qual nasceu o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Além disso, a legislação brasileira já responsabiliza toda pessoa acima de 12 anos por atos ilegais. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o jovem deve merecer medidas socioeducativas, como advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviço à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. A medida é aplicada segundo a gravidade da infração. Enquanto nas penitenciárias, o percentual de reincidência no crime é de 70%, no sistema socioeducativo, esse número cai para 20%. Com efeito, esses dados mostram gargalos da atuação do Estado nesse âmbito, que a atual proposta parece ignorar. O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e o Plano Individual de Atendimento (PIA), previstos como ferramentas para reintegração de jovens infratores à sociedade, chegam a apenas 5% dos adolescentes apreendidos no Brasil, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

 

MELHOR PREVENIR QUE REMEDIAR

Discutir a maioridade civil significa olhar para o momento de transição da idade jovem para a adulta. Para cada faixa etária, existe uma relação diferente do indivíduo com o mundo, e do Estado com o indivíduo, porque cada período tem necessidades, direitos e deveres específicos. E as pesquisas são fundamentais para saber como e onde investir na melhoria da qualidade de vida da população em geral. Estudos sobre a expectativa de vida do brasileiro, por exemplo, ajudam o governo a estimar os custos e medidas relacionados à previdência social. Atualmente, 18 anos é a idade fixada para maioridade civil, embora o conceito de juventude no Brasil vá até os 29 anos. Ainda que maior de idade, completamente responsável por seus atos, até 29 anos de idade, o cidadão deve ser contemplado pelas políticas públicas voltadas para a juventude. A meia entrada em atividades culturais, por exemplo, é garantida como direito até os 21 anos.

No que diz respeito ao envolvimento de adolescentes com atividade criminosa, é preciso concentrar esforços na prevenção desse contato. A adolescência é uma fase de desenvolvimento, aprendizado e socialização com outras pessoas. Jovens em situações de infração devem contar com os esforços do Estado para proporcionar a sua reinserção no convívio social. É preciso combater as circunstâncias que o levaram ao crime com mais oportunidades e não com mais repressão.

Embora careça de melhorias e adaptações, o ECA é um dos documentos que tratam da garantia de direitos da criança e do adolescente e deveria pautar as ações para essa parte da população. Em entrevista a Revista Fórum, o advogado Ariel de Castro Alves, membro do grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo e do Movimento Nacional de Direitos Humanos destacou a importância das ações preventivas: “O Estatuto da Criança e do Adolescente tem o caráter mais preventivo do que repressivo. Se o ECA fosse realmente cumprido, sequer teríamos adolescentes cometendo crimes. Se o Estado exclui, o crime inclui. A ausência de políticas públicas, programas e serviços de atendimento, conforme prevê a lei, e a fragilidade do sistema de proteção social do país favorecem o atual quadro de violência que envolve adolescentes como vítimas e protagonistas” – explicou Ariel.

Assim como o direito ao voto, tão enfatizado em discussões sobre a maioridade penal, o mesmo deve valer ao direito à educação, o que contribuiria para reduzir a vulnerabilidade da juventude, elemento relevante entre aqueles que acabam cometendo infrações antes dos 18 anos de idade. Um estudo realizado pela antiga FEBEM (Fundação Estadual do Bem Estar do Menor) de São Paulo concluiu que 41% dos autores de atos infracionais não frequentava a escola antes da internação. O distanciamento da escola relaciona-se com a necessidade de trabalhar, com as dificuldades em conciliar trabalho e estudo, além de conflitos com professores e colegas, somados às reprovações e baixa qualidade de ensino. Já a pesquisa da professora Vania Sequeira, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, aponta políticas públicas e prevenção como principais itens que podem nortear a diminuição da criminalidade juvenil.

Fica claro que a discussão principal é o que fazer para melhorar a qualidade de vida da nossa juventude. A ampliação de repertórios e oportunidades parece ser o caminho mais eficaz. A criação e melhoramento de cursos técnicos e programas de formação profissional contribuem para isso, mas ainda precisam ser estendidos à maioria da população. Todavia, as organizações da sociedade civil também protagonizam iniciativas voltadas para a juventude: a Universidade das Quebradas, a Agência de Redes para a Juventude, a Escola Popular de Comunicação Crítica (ESPOCC), o Imagens do Povo, Instituto Vida Real, Projeto Uerê são exemplos, para citar alguns.

Sendo a juventude o futuro do país, é preciso debatê-la afirmando seus valores e potências. Em vez de sugerir redução dos seus direitos, faz-se necessário pensar e criar alternativas para as necessidades específicas desse grupo. O que está em debate são as possibilidades de crescimento que os jovens têm ou deveriam ter acesso. Reivindicar o direito de puni-los como adultos é ceifar direitos e oportunidades e diminuir o tempo da fase mais importante da formação humana. A nossa juventude merece mais, muito mais!

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