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Cartografia Social da Covid 19 na Cidade do Rio de Janeiro

Por Jorge Barbosa, Lino Teixeira e Aruan Braga

O Brasil apresenta hoje, dia 19/05/2020, 16.792 vítimas fatais da Covid-19 em 254.220 casos de contaminação. A maioria dessas vítimas fatais estão concentradas em nossas metrópoles. Confirmando a assertiva, o estado do Rio de Janeiro  tem hoje 26.665 casos com 2.852 mortos. Essa contagem assustadora se concentra na capital, com 13.443 contaminados e, pelo menos, 1.960 mortos, em seguida aparecem as cidades da região metropolitana (Duque de Caxias, Niterói, Volta Redonda e Nova Iguaçu). Essas informações foram obtidas nos Boletins do Ministério de Saúde e também pelo painel de monitoramento do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos e, como sabemos, o número de acometidos pela doença tanto como de suas vítimas fatais estão subnotificados, devido a falta de testes assim como de definição imprecisa das causas de mortes por “Síndrome Respiratória Aguda Grave”*. 

A progressão radical da COVID – 19 na cidade do Rio de Janeiro ganhou uma rápida extensão geográfica. Dos bairros de classes médias com maior renda econômica, disponibilidade de equipamentos públicos e valorização imobiliária se prolongou para os subúrbios, favelas e periferias cariocas.  Essa expansão e crescimento de contágios agudiza a dramaticidade da pandemia ao se mover em direção aos bairros com a presença concentrada de favelas. Na chamada Zona Norte, por exemplo, estão localizados dois grandes conjuntos de favelas da cidade: Alemão (69 mil habitantes) e Maré (140 mil habitantes), enquanto na Zona Oeste as favelas se multiplicaram rapidamente a partir dos anos 1990.

Como vem sendo exposto em críticas, manifestos e denúncias de diversas organizações, coletivos e movimentos sociais, estamos diante de uma tragédia anunciada, uma vez que a exposição atual ao contágio das pessoas dos bairros da Zona Norte e Zona Oeste embora ainda apresentem menores notificações de contágio em relação aos bairros da chamada Zona Sul da cidade, a letalidade é expressivamente maior. A tendência, em prazo curtíssimo, é o agravamento da transmissão para grupos e territórios mais vulneráveis e, na sequência, a grande probabilidade de óbitos principalmente devido a limitação de vagas para atendimentos especializados nos hospitais, sobretudo com leitos disponíveis em Unidades de Tratamento Intensivo.  

Fluxos espaciais da contaminação da COVID -19 na Cidade do Rio de Janeiro

Uma análise inicial dos mapas de contágio e suas dinâmicas no território do Rio de Janeiro repetem algumas tendências observadas nas grandes metrópoles do mundo. Em sua característica essencialmente urbana, a dinâmica de contágio do Coronavírus se dá nos grandes centros urbanos em contexto de forte circulação e tráfego aéreo com grandes cidades internacionais. Neste sentido, se repete a tendência de ocorrência de contágio nos bairros mais ricos na primeira fase do contágio e, passado o momento de “importação” do vírus pelas classes de maior renda, ocorre sua multiplicação dentro da própria cidade, irradiando destes por meio de equipamentos e infraestruturas de mobilidade urbana para outros bairros populares, favelas e periferias. É justamente nos territórios populares que os maiores impactos da desigualdade socioespacial se fazem presentes na dinâmica de contágio. As condições de moradia, de infraestrutura básica, de circulação na cidade, entre outros, aliados à desigual distribuição de renda que empurram as populações de subúrbios, favelas periféricas para o trabalho – impossibilitando o isolamento – acentuam a já acelerada velocidade de contágio na direção de territórios populares. 

Mapa 1.1 – Disseminação COVID 19 no município do Rio de Janeiro
Mapa 1.1 – Disseminação COVID 19 no município do Rio de Janeiro

Os mapas da dispersão do contágio demonstram que no dia 17 de março, quando o Rio de Janeiro contava 29 casos confirmados, a presença do contágio estava concentrada sobretudo nos bairros das zonas sul da cidade e na Barra da Tijuca. No dia 10 de abril, o novo Coronavírus já atingia praticamente todos os bairros da cidade e, além do já esperado aumento nos bairros em que se iniciou o contágio, observa-se um rápido crescimento nos subúrbios da Leopoldina e, principalmente, nos bairros da Zona Oeste. As desigualdades sociais na cidade do Rio de Janeiro impõem ao movimento de contágio um claro fluxo espacial que pode ser percebido em alguns casos emblemáticos nessa primeira etapa de contágio. Um deles é o caso da moradora do bairro de Japeri e que atuava profissionalmente como diarista no bairro da Lagoa, em uma residência familiar de alta renda.  Neste triste exemplo, os empregadores, tendo contraído o vírus em viagem ao exterior, mantêm a profissional atuando dentro da casa, onde ela veio a contrair o vírus. Ao apresentar sintomas graves, ela retorna para sua residência em Japeri, onde falece em decorrências da Covid-19. Este caso emblemático, tristemente evidenciado pelo óbito, revela um fenômeno urbano que possivelmente marcou a distribuição do contágio na cidade do Rio de Janeiro, em grande parte de forma silenciosa e assintomática.

Mapa 1.2 – Disseminação COVID 19 no município do Rio de Janeiro

No terceiro momento mapeado do contágio, já no dia 03/05, observamos a inversão do número de casos dos bairros mais ricos para os de menor renda. Neste movimento de transferência da maioria do contágio da Zona Sul e Centro para Zona Norte e Oeste demarcam o sentido centro-periferia que é a característica decisiva do fluxo de contaminação numa cidade marcadamente desigual como o Rio de Janeiro. Nesta etapa, a Zona Oeste se destaca como o principal centro de contágio entre as regiões da cidade e, como veremos, também com a maior taxa de letalidade, tendo o bairro de classe média/média alta da Barra da Tijuca como principal vetor de espalhamento por contiguidade.

Mapa 1.3 – Disseminação COVID 19 no município do Rio de Janeiro
Mapa 1.3 – Disseminação COVID 19 no município do Rio de Janeiro

Desigualdade e letalidade no Cartografia da COVID -19

Quando observamos a ocorrência de casos confirmados em relação ao número de óbitos, espacializados no mapa da cidade, começamos a compreender as diferentes formas e processos de impacto da epidemia no espaço urbano, revelando as distintas condições socioespaciais de acesso à infraestrutura básica de saneamento e equipamentos de saúde. Em linhas gerais, a relação entre casos confirmados e número de óbitos revela que em determinados territórios da cidade, notadamente favelas e periferias, a letalidade se torna expressivamente mais alta. Se tomarmos como exemplo Ipanema e Leblon, dois dos bairros de alta renda que eram focos iniciais da doença, apresentam no dia 03 de maio respectivamente 127 e 148 casos confirmados, com 11 e 8 óbitos para cada bairro. A taxa de letalidade em Ipanema, se apresenta com 8,7% enquanto no Leblon com 5,4%. No sentido inverso, temos o exemplo de Vigário Geral e Maré, duas grandes favelas do Rio de Janeiro. Até este momento (03 de maio), esses bairros populares apresentaram respectivamente 29 e 30 casos confirmados, com 6 óbitos registrados em cada. Localizadas na Zona Oeste e Norte, ambas apresentam um aumento considerável nas taxas de letalidade a Leblon e Ipanema, saltando para mais que o dobro. As taxas de letalidade da Covid-19 em Vigário Geral (20,6%) e na Maré (20%) ressaltam por um lado a desigualdade no acesso à testagem e, como destacado, no acesso aos equipamentos e serviços de saúde básicos. Este fenômeno se repete, em maior ou menor grau, na comparação entre outros bairros. Se olharmos Botafogo e Flamengo, com suas taxas de letalidade em 5,9% e 12%, e compararmos com Gardênia Azul e Rocinha, com 31,3% e 23,1% de letalidade, observaremos que a diferença entre os bairros de maior e os de menor renda variam entre duas a cinco vezes.

Mapa 2 – Contágio, óbitos e letalidade COVID 19 no município do Rio de Janeiro

A taxa de letalidade de cada zona da cidade, que acompanham em maior ou menor grau as condições socioeconômicas médias, são reveladoras das desigualdades socioespaciais no Rio de Janeiro. A Zona Sul e o Centro da Cidade apresentam uma taxa de letalidade com 8% e 7,5% dos casos confirmados (ou seja, dos casos com sintomas graves que receberam testes). Esses números apontam não só para a concentração de equipamentos de saúde nestes espaços como também para a concentração média de renda familiar. Se considerarmos o baixo número de testagem como um todo e que, portanto, esta porcentagem se dá em relação ao número de pessoas com sintomas graves e/ou com internações, é uma taxa de letalidade relativamente baixa. Por outro lado, a zona norte da cidade apresenta uma taxa de letalidade de 19%, mais que o dobro das regiões norte e sul. A zona oeste, por sua vez, chega a quase três vezes esses valores, atingindo a marca de 20,5%. A distância expressiva entre as taxas de letalidade de cada zona são forte indicador de como a Covid-19 é um espelho das condições territoriais e sociais da cidade, revelando um verdadeiro abismo no acesso a serviços de saúde e assistência como um todo e na possibilidade de enfrentar a epidemia global garantindo o direito à vida e a dignidade humana.

Considerações propositivas

Estamos diante de um quadro assustador que ao colocar grupos sociais e territórios no cruzamento entre a doença e a morte vem adicionando condições perversas às desigualdades sociais presentes na cidade do Rio de Janeiro.  Portanto, se a pandemia por si mesma não revela as desigualdades na produção social do espaço urbano, acrescenta-lhe a brutalidade da violação do Direito à Vida. Compreende-se, portanto, o cortejo da desigual relação entre contágio e letalidade de pessoas impressa nas cidades. Casos como Fortaleza, Manaus, Recife, Salvador, e São Paulo, notadamente os mais expressivos, possuem forte correspondência com a dinâmica espacial da pandemia na cidade do Rio de Janeiro. 

Se faz urgente e inadiável uma política de urgência para as favelas e para as periferias da cidade face a ameaça genocida que se aproxima de ser tornar evidência. Medidas sanitárias básicas como abastecimento de água estão no topo da agenda assim como a testagem imediata de famílias expostas ao vírus em função das atividades de trabalho ou do contágio de familiares e vizinhos, evitando a propagação virótica. Medidas preventivas básicas se somam aos cuidados com à saúde desde a ampliação de recursos de pessoal, bens e equipamentos em Clínicas de Família, Unidades de Pronto Atendimento e centros Integrados de Assistência para atendimento e regulação de ações coordenadas. A montagem de Hospitais de Campanha localizados em pontos  estratégicos de acessibilidade por meio de transporte públicos para tratamento de casos mais graves e de Espaços de Quarentena Assistidas para os menos graves, mas com potencial de contaminar familiares e vizinhos (em escolas, hotéis, clubes etc.). O pagamento imediato de renda mínima de 1.800,00 reais para viabilizar o recolhimento domiciliar para todos os moradores de favelas e periferias com atividades de trabalho suspensas e os que estão sistematicamente colocados em exposição à contaminação devido exigências das relações de poder patronal (domésticas; diaristas; trabalhadores de serviços; frentistas; entregadores, motoristas e tantos outros trabalhadores urbanos em atividades assemelhadas de exposição). Ação igualmente urgente está relacionada a medidas de segurança alimentar para as famílias que hoje contam exclusivamente com a solidariedade popular.  Deve-se também conter neste plano de urgência o fortalecimento das ações solidárias de comunicação, proteção e atendimento que vem sendo realizadas por organizações e coletivos em favelas, subúrbios e periferias, tornando-os referências significativas para diagnósticos situacionais, planejamento e acompanhamento das atividades em cada território. 

Esses são, em linhas gerais, proposições amplas de uma agenda de urgências recorrentemente colocada por organizações, movimentos e grupos envolvidos diretamente com a brutalidade das desigualdades sociais evidenciadas com a pandemia global.

Baixe a primeira edição do Mapa Social do Corona AQUI.

*É preciso considerar, como afirmam instituições e pesquisadoras dedicadas a estudos epidemiológicos que há uma imensa subnotificação de casos, inclusive devido a baixa testagem. Pesquisadoras, inclusive, indicam que os casos devem ser multiplicados por 10. Portanto o Brasil teria mais de dois milhões de pessoas contaminadas.

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