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Como superar o Patrimonialismo institucional no Estado brasileiro?

Por Jailson de Souza e Silva*

A teoria da modernização, cultivada com dedicação por algumas forças políticas no processo pós-ditadura militar, dentre outros momentos históricos, tinha uma forte crítica a práticas políticas consideradas anacrônicas e não republicanas, tais como o fisiologismo – troca de votos nos legislativos em função de vantagens oferecidas por eventuais governantes; o clientelismo – a troca de votos por favores específicos entre eleitores e políticos; e o patrimonialismo – o uso de forma privada dos recursos públicos pelos governantes, como se proprietários deles fossem. Todavia, temos outro tipo de prática política que se tornou central para o processo de reprodução da desigualdade brasileira. Eu o denomino Patrimonialismo Institucional. Ele se caracteriza por um processo regular e global de transferências de recursos públicos para os grupos sociais mais privilegiados da população, em sua grande parte compostos por brancos e homens.

O processo de transferências de imenso percentual dos recursos de todos para alguns se materializa de formas diversas, dentre elas:

> Concentração da oferta de equipamentos e serviços urbanos, tanto em termos de quantidade como de qualidade, nas áreas mais ricas da cidade. No caso do Rio de Janeiro, por exemplo, de 65 equipamentos culturais da prefeitura, apenas 15 não estão nas áreas mais ricas, sendo que a imensa maioria desses é composta por lonas culturais, espaços precários e com poucos recursos;

> Empregos com salários e vantagens maiores no alto escalão do Estado, em todas as suas instâncias. Notoriamente, as formas de seleção historicamente privilegiam as pessoas com maiores capitais econômico, escolar, social, cultural e simbólico – justamente os brancos e, em sua maioria, homens. Não há meritocracia no processo, pois as oportunidades de acesso a esses capitais são desiguais; logo, há privilégios;

> As formas de tributação, caracterização por maior incidência dos impostos indiretos – pagos por toda a população – do que pelos impostos diretos sobre a renda e a riqueza;

> A política de juros ortodoxas, que faz com que o Brasil tenha, historicamente, uma das maiores taxas de juros do mundo. Ela gera uma imensa transferência de riqueza pública para os rentistas. Muitos outros países, especialmente os mais ricos, usam outros instrumentos para controlar a inflação que não essa forma que drena tantos recursos do Estado para poucos;

> A política de juros subsidiados de bancos como o BNDES, que capta no mercado a um valor bem mais alto do que empresta a empresas, em geral grandes e tradicionalmente dirigidas por homens brancos, como atesta a lista dos principais executivos das 500 maiores empresas do país.

Várias das medidas descritas são defendidas, racionalmente, por grupos econômicos, especialistas, professores universitários e governantes como se fossem expressão da boa governança econômica e resultado da meritocracia. Estão longe disso. Para serem superadas, o primeiro passo, já encaminhado na gestão do PT, foi promover processos seletivos para os órgãos do Estado que levem em conta as cotas para as pessoas negras, assim como já foi feito com as cotas para as universidades públicas. Essa medida deve ser acompanhada de outras ações afirmativas que pressionem as empresas, como é feito nos EUA, a adotarem a diversidade como princípio de gestão. Isso implica abrir mais espaços nos cargos superiores para pessoas negras e mulheres. E punir, de forma plural, especialmente com multas, as empresas que se recusarem a cumprir essa prática republicana.

A inversão de prioridades nas políticas públicas, com o direcionamento de investimentos em equipamentos e serviços públicos para as áreas menos dotadas é um elemento central, que foi assumido por diferentes partidos desde a redemocratização, mas nunca foi formalmente estabelecida como norma de governo. Da mesma forma que a produção de uma reforma tributária que tenha a riqueza e renda diretas devidamente tributadas.

Outra medida central é a construção de um amplo programa de financiamento voltado para os negócios das pessoas negras, com baixas taxas de juros e facilidade de pagamentos. Dessa forma, se criarão as condições para que novas empreendedoras possam ampliar seus negócios. Ainda no campo da economia, a superação da política de juros altos como a principal forma de combater a inflação se faz uma necessidade, pois seus efeitos são tão ou mais perversos que o mal que dizem querer combater.

Acima de tudo, as cotas para os cargos públicos se colocam na mesma direção. Enquanto o poder político for dominado por homens brancos e ricos, haverá limites para que tenhamos uma verdadeira democracia. Assim, a garantia de que um terço dos cargos elegíveis ou nomeados sejam compostos por mulheres e 25% por pessoas negras é uma base inicial para que avancemos no protagonismo de novas personagens politicas e para o avanço da radicalização democrática da sociedade brasileira.

*Fundador do Observatório de Favelas, Diretor do Instituto Maria e João Aleixo, Professor associado da Universidade Federal Fluminense.

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