Por: Alan Miranda (alan@observatoriodefavelas.org.br)
“Caramba, amigo. Que espetáculo! Muito bom, valeu mesmo por colocar a gente nessa boa”, disse Thiago, ao final do espetáculo: um dos amigos que convidei para assistir Febril. Thiago me contaria no dia seguinte que estava convidando e recomendando a outros amigos que também fossem assistir. Apesar de dispor de outros meio de divulgação, esse parece ser o mais honesto e eficaz. É um espetáculo – bem como os escritos de Gabo – de se recomendar com brilho nos olhos.
Febril evoca García Márquez pelo viés de um gênero artístico que transita entre diferentes formas de arte. O “realismo maravilhoso”, ou “obra fantástica”, estilo presente em obras como a do escritor argentino Luís Borges, nas telas do pintor Duca, de Coroa Grande, e também no espetáculo circense Febril, dirigido por Luiz Igreja, que fica no Crescer e Viver até o dia 23 de novembro.
Trata-se de um espetáculo híbrido, que valoriza a narrativa, a contação de história. Para os que já leram “Cem anos de Solidão”, é inevitável tentar descobrir a correspondência entre os personagens de “Febril” e da obra de García Márquez. Para quem ainda pretende ler, é possível que Melquíades e José Arcádio Buendía, por exemplo, já pareçam figuras familiares.
Do realismo, prevalecem principalmente os sentimentos dos personagens, tomados repentinamente pelas paixões humanas, sujeitos às intervenções da vida, que vai da bonança à fantasia sem a menor cerimônia. Do realismo, também o risco fatal em cada acrobacia aérea e as inúmeras lesões que se acumulam ao longo da temporada. Já o toque maravilhoso, esse habita o espetáculo como uma chuva centenária de confetes, como a trilha sonora de uma vida, ou o pairar das criaturas sobrenaturais sobre nossos caminhos. O espetáculo é teatral, musical, poético, sobretudo onírico. Episódios como casamentos, brincadeiras, sermões, paixões desabrochando, guerras e mortes são narrados através de acrobacias, aéreos, portagens e malabarismos.
Febril é composto por momentos chocantes e comoventes: dá vontade de escolher um personagem favorito, de brincar de circo, de assistir mais uma vez. Através de sonhos e memórias, o enredo apresenta cenas emocionantes e sua veia fantástica se impõe, pois somente na fantasia a saudade é forte o suficiente para contestar a morte. Não é uma história de amor, é uma história de amores.
Ao final do espetáculo, já descaracterizado, Pedro Serejo, se sentaria à minha mesa para fumar um cigarro, bater papo e relaxar. Antes de se despedir, fez o apelo típico de quem anseia se superar a cada nova apresentação: “Ah, cara, tem que vir de novo, tem que vir mais uma vez, pelo menos”.
Todos são maravilhosamente fotogênicos e a seleção feita pelos fotógrafos do Observatório de Favelas mostra um pouco do que o espectador pode esperar dessa experiência.
A temporada de Febril no Circo Crescer e Viver chega ao fim neste fim de semana. Para quem ainda não assistiu, os dias 20, 21, 22 e 23 de novembro serão as últimas oportunidades. De quinta a sábado a entrada é às 20h, já no domingo, às 19h. O evento é gratuito, mas ao final da apresentação, o público pode decidir “quanto vale o show” e contribuir livremente.