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Perenidade e Legado de espaços culturais

Por Alexandre Silva (alexandre@observatoriodefavelas.org.br), Leticia Souza (leticia@observatoriodefavelas.org.br), Marina Xavier (marina@observatoriodefavelas.org.br) e Rebeca Brandão (rebeca@observatoriodefavelas.org.br)

“A democratização do acesso (a cultura) deve ser uma etapa, não a
linha de chegada na constituição do público como sujeito no mundo” – Eduardo Saron

Com essa fala de abertura emblemática, Eduardo Saron norteava ali o tom sentido durante todo o Seminário Arte, Cultura e Educação, que aconteceu durante os dias 21, 22 e 23 de março em São Paulo. A programação buscou, através de mesas de discussão, palestras, oficina e piquenique, relacionar conceitos cotidianos a gestão de espaços culturais, como “formação de plateia” “democratização do acesso a cultura” e “arte e educação”, colocando sempre o público e a produção de sentido como sujeitos centrais da produção cultural. O ciclo reuniu pesquisadores, artistas, educadores e gestores culturais, e foi conduzido pela costura entre a criação artística, os meios de aprendizado e o debate público.

As atividades aconteceram em três lugares diferentes: na Sala Itaú Cultural, na Sala Multiúso – ambas no prédio do Itaú Cultural – e na Bienal de São Paulo, no Parque Ibirapuera. Um apoio do Instituto JCA viabilizou a ida de quatro representantes do Observatório de Favelas: Alexandre Silva e Letícia Souza (Galpão Bela Maré) e Rebeca Brandão e Marina Xavier (Arena Carioca Dicró). Representantes, portanto, do eixo de arte e território, que realizam nossos atualmente maiores projetos no campo da produção cultural, de maneira geral: dois espaços culturais singulares na cidade, que atuam há alguns anos na busca por estabelecer formas mais democráticas de produção, difusão, mobilização e formação no campo da arte e da cultura de maneira geral, a partir da Zona Norte do Rio de Janeiro.

A participação no seminário foi um processo importante em relação a percepção da atuação dos projetos do eixo de arte e território do Observatório de Favelas, não só por se tratar de um dos quatro eixos centrais que envolvem o trabalho da Instituição, mas por poder perceber práticas e ansiedades comuns a outros projetos e instituições, assim como partilhar e ouvir narrativas outras, e ser apresentado a novas perspectivas, contribuindo com a construção de um amplo repertório metodológico.

Desde a fala de abertura à mesa final, a tônica central habitava o desejo de avançar na discussão sobre o paradigma da democratização do acesso à cultura. Além do contato, faz-se necessário e urgente criar uma relação de pertencimento entre público-cultura nos espaços dedicados à arte e centros culturais, já que o acesso não garante um processo de experimentação e apropriação desses espaços.

Sobre isso, Alexandre Silva, coordenador do Galpão Bela Maré, diz “no que tange ao Bela Maré, essa é uma discussão bastante cara, pois mesmo acordando com a fala do Saron sobre a necessidade de se avançar em relação ao paradigma do acesso aos bens culturais, consideramos que a realidade dos espaços periféricos coloca essa questão sempre sob o ponto-de-vista da garantia de direitos, portanto, nunca dispensável.”

Uma das mesas centrais do Seminário, “Haverá Democracia sem Democracia Cultural?” foi mediada por Jaílson de Souza e Silva, fundador do Observatório de Favelas e, não por acaso, foi o momento em que mais foram pautadas as práticas artísticas e educacionais a partir de uma discussão política numa perspectiva de desigualdade social. O convite da mediação levou a mesa a pensar a democracia cultural como um elemento da disputa pela dignidade, a partir de três dimensões fundamentais da cultura: Humano-genérica (nossas práticas enquanto espécie humana); Particular-Social (o que nos faz perceber nossa dimensão particular em meio ao social); e Subjetivo-singular (nossa identidade no mundo).

A mesa, composta por Jochen Volz (Pinacoteca de São Paulo), Lucrecia Congot (Museu da Memória e dos Direitos Humanos do Chile) e Maria Vlachou (Associação Acesso Cultura – Pt), buscou apontar caminhos metodológicos que as instituições vem adotando ao redor do mundo para reconhecer, se relacionar e criar junto com seu público uma experiência cultural pertinente. Lucrécia, talvez pela natureza da instituição que representa, foi a pessoa que mais se aproximou do nosso fazer institucional, ao colocar a cultura como uma tática de reivindicação, para que identidades invisibilizadas possam incidir nas práticas políticas.

No campo da arte-educação, a programação caminhou sobre acessibilidade, transgressão e pedagogia, no entanto foram as falas de Jochen Volz e Marta Porto (curadora do Seminário) que chamaram atenção. Jochen trouxe a questão sobre o conceito de público/públicos, ressaltando o respeito à diversidade de repertórios e reiterando que, para além da formação de público, devemos nos preocupar com a criação de relação com as pessoas. Marta construiu uma reflexão sobre o valor da imaginação, pontuando que é impossível pensar a relação da arte, educação e cultura se a imaginação não tiver grande algum valor. As experiências possíveis no contato com a arte pode nos provocar uma relação mais sinestésica com o mundo, enquanto a educação formal tem a tendência a instaurar pequenas castrações que vai gerando, ao longo do tempo, a perda do sensível. Neste contexto, o trabalho de arte-educação/mediação, é fundamental.

Rebeca Brandão, coordenadora da Arena Dicró ressalta: “Apesar de não termos (ainda) um trabalho focado em arte e educação, como o educativo do Bela Maré, temos adotado há algum tempo projetos diversos dentro do eixo de participação ampliada. Acreditamos que essas metodologias conversam com o público e com a classe artística, criando um canal de comunicação contínua.”

O Seminário possibilitou consolidação conceitual de práticas dispersas que os projetos da instituição já vinham adotando. No entanto, é importante observar que apesar da importância das falas, pautas e mesas não havia diversidade representativa compondo as mesas. Não havia negrxs, indigenas, não-binários, etc. Neste sentido, sentimos falta de a curadoria priorizar outros tantos fazedores na escolha dos debatedores e ao nosso olhar as mulheres foram responsáveis pelas falas mais contundentes politicamente. Todos esses aspectos talvez possam ser justificados pelo fato de ter sido a primeira edição do evento.

Embora esperássemos um debate mais caloroso por conta do contexto político atual (houve algumas citações ao caso Marielle e poucas fala de conjuntura), a experiência foi muito interessante para o grupo. Além do seminário em si, a possibilidade de conhecer/estar num outro território/estado, é sempre uma experiência rica. Além do Itaú Cultural, foi possível visitar outros centros culturais como o MASP, CCBB-SP, Museu Afro, Bienal, e, portanto, ampliar nosso repertório cultural, que certamente aprimorará nossa contribuição para cidade, a partir dos espaços que idealizamos e gerimos.

Para assistir à fala introdutória de Jailson de Souza e Silva, clique AQUI.

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