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Sobre o controle dos nossos corpos/mentes e a legitimidade da emancipação

Por Jailson de Souza e Silva*

Rio de Janeiro – O Judiciário costuma se apresentar, historicamente, como uma instância de poder estatal neutra e isenta, que agiria na perspectiva de interpretar as leis devidamente para garantir a república e a justiça. Os últimos meses têm permitido que essa representação se esvaneça e ele se mostre como um poder dominado por disputas e hegemonizado por uma lógica centrada no controle dos corpos e no cerceamento da liberdade dos cidadãos. Os exemplos são muitos: o uso desmedido das prisões provisórias; a censura a manifestações artísticas; a prisão de um reitor sem ser ao menos ouvido pelas instâncias que o prendem; a permissão para o ensino confessional nas escolas – pelo placar limite de 6×5 no STF – e a decisão de um juiz de primeira instância de proibir que qualquer cartório do país registre uniões poliafetivas, dentre muitos outros exemplos.

A onda conservadora no poder judiciário fortalece o processo de agressão aos valores republicanos e democráticos perpetrado pelo Legislativo e executivo federais. Ali, vemos, também dentre muitos exemplos possíveis, um ataque profundo aos direitos dos trabalhadores, a restrição dos investimentos sociais, o corte de investimento nas universidades e na pesquisa científica, além do ataque à legislação de proteção ambiental. Portanto, nada mais próximo do século XIX do que a agenda reacionária que domina as pautas política e social. Do ponto de vista formal, não vivemos em um “Estado de Exceção”. Mas, do ponto de vista prático, assistimos um processo de violenta (re)apropriação das instâncias estatais por forças conservadoras que buscam cercear os corpos, as mentes e a diversidade até no campo da espiritualidade.

Por outro lado, vemos os corpos negros cada vez mais se rebelando e, especialmente nos cabelos das mulheres, afirmando o direito à pretitude; artistas se manifestando contra a censura e a difamação que o campo artístico vem sofrendo; movimentos crescentes exigindo a descriminalização das drogas e novas formas de lidar com a questão da segurança pública, especialmente a violência prisional e letal contra os pobres negros. Com efeito, as respostas às políticas da reação são plurais e permanentes.

Enfrentar a conjuntura adversa implica colocar em questão a legitimidade dessas forças que dominam o Estado e o usam contra os interesses dos cidadãos. Forças dominadas especialmente por homens, brancos, adultos e/ou idosos que, a partir da manipulação do argumento meritocrático e da autoridade estatal absoluta, querem criar uma sociedade como seu espelho, desprezando a pluralidade étnica, reproduzindo e reforçando a desigualdade econômica e social, tratando a natureza como fonte de recursos econômicos e controlando os corpos de forma autoritária e violenta.

A revolução democrática pela qual lutamos exige, em primeiro lugar, o direito dos sujeitos a viverem seus corpos e consciência de forma autônoma e autêntica. Nesse sentido, a desobediência civil é uma estratégia legitima quando o Estado deixa de cumprir seu papel republicano e passa a funcionar apenas para entender interesses e convicções ideológicas particulares. O que demanda a rebeldia ao poder do Estado de definir: a quem podemos amar e constituir família; as drogas que podemos escolher usar; o direito pleno da mulher ao seu corpo reprodutivo; como nos expressamos artisticamente; quem pode ser preso, por qual tipo de crime, de que forma e quando; a flexibilização dos princípios de um Estado laico.

No que concerne, por sua vez, ao campo estrutural, a radicalização democrática e republicana exige uma legislação tributária que diminua a desigualdade; a garantia plena dos direitos dos trabalhadores; a defesa ambiental contra os interesses de um capitalismo predatório; a garantia dos direitos sociais fundamentais, em particular a proteção dos mais vulneráveis socioeconomicamente e a construção de uma efetiva experiência republicana, que supere as formas de patrimonialismo institucional dominantes em nosso país.

Considerando o exposto, construir o programa democrático e republicano não é tarefa para um partido ou grupo social específico, mas decorre da progressiva concertação de todas os sujeitos, organizações e coletivos comprometidos com a emancipação plena dos cidadãos brasileiros, fazendo o bom combate aos grupos conservadores em todos os campos sociais, sem ter o ódio e a intolerância como bases de sua ação, mas sim a convivência fraterna e a prática democrática como princípios básicos da ação na vida.

*Jailson de Souza e Silva é Fundador do Observatório de Favelas e diretor geral do Instituto Maria e João Aleixo.

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